segunda-feira, 9 de novembro de 2015

"Caídas em Desgraça"

Fui falar com os actores Ana Campaniço e Carlos Alves, que têm em comum, não só a profissão, mas também a boa disposição e simpatia. Numa conversa agradável quis saber um pouco mais sobre a peça que, brevemente, vão levar a cena no Auditório Carlos Paredes, em Benfica, de 12 a 21 de Novembro.

Ana Campaniço
Carlos Alves
A peça de que falámos chama-se "Caídas em Desgraça" e a autoria é do Carlos. Já a encenação ficou a cargo dos dois actores. Também "caídas em desgraça" estão as actrizes Florbela Tibúrcio e Inês Moita que participam na peça, ao lado dos dois actores com quem tive o prazer de conversar.

Florbela Tibúrcio, Inês Moita, Carlos Aves e Ana Campaniço.
Curiosa, comecei por perguntar como surgiu a ideia da peça e disse-me o autor que quando pensou num tema, surgiu-lhe a crise financeira actual e assim, decidiu brincar com a crise. No entanto, deixou claro que não quer, de forma alguma, banalizar a situação pela qual passamos. "Pensei falar nos ricos e não nos pobres", disse-me ele, e assim criou uma família rica de banqueiros, responsável pela crise, mas que acaba também por ser vítima dela. Através desta família escreveu uma comédia que se insere no panorama actual e daí o nome "Caídas em Desgraça". Nesta família sobram apenas as mulheres e o mordomo, símbolo de uma família que em tempos foi rica. "Elas perderam tudo e o mordomo terá um papel fundamental no desenrolar de toda a história. Mas quanto a isso, já terão de ir ver a peça para ficarem a perceber". Deixa-nos assim curiosos (pelo menos a mim deixou), para irmos ver esta peça em que a crise é o contexto, mas onde poderemos ver muito mais do que isso.


Quanto à escrita da peça, revelou que normalmente há sempre alguma história ligada ao seu momento, mas que desta vez tal não aconteceu. Demorou cerca de um mês a ser escrita, pois é o prazo que normalmente estipula para ele próprio, para que desta forma consiga concluir a peça. "Se não estabelecesse um prazo, nunca acabava. Para mim, nunca estaria bom!".
Ao falarmos um pouco sobre os ensaios, asseguram os dois que momentos engraçados não faltam. "Há sempre partes em que não nos sentimos seguros, então decidi que se houvesse alguma coisa que ainda não estivesse bem, voltávamos atrás. A dada altura já fazia de propósito para me enganar e termos de repetir". Diz-nos a Ana, com um sorriso na cara que nos confirma ter sido capaz de deixar os seu colegas fora do sério. "Acabamos por ter de ser mais exigentes com os actores porque estamos na presença do autor da peça", reforça a actriz e encenadora.

Durante um ensaio da peça "Caídas em Desgraça".
Perguntei-lhes se tinham algum ritual antes de entrar em palco. "Fica muito mal dizer que tenho de fumar um cigarro?", pergunta-me a Ana. Confessa então, ter de fumar para aliviar o stress. Já o Carlos, também fumador, diz que fumar faz mal e por isso uma hora ou duas antes das peças deixa de fumar. Confirma que o poderemos ver dançar durante a peça (estão com vontade de ver não estão?) e que se apercebeu que ao fumar perdia facilmente o fôlego.
Para além de fumar, a actriz falou-nos de um momento especial que não deixa passar em branco antes de pisar o palco. "Peço sempre ao meu velhote que olhe por mim, porque ele pode estar lá para cima distraído". Refere-se ao pai que faleceu em Março do ano passado. "Tenho sempre uma conversa com ele antes de entrar e sei que ele vai orientar a malta". Diz também, que olha sempre para cima e entra com o pé direito. Para além destes pequenos rituais, confessa ficar com mau feitio no dia anterior à peça. "Às vezes fico insuportável e o Carlos tem de levar comigo". A mim, pareceu-me que o olhar do Carlos quis confirmar esta afirmação, mas não quero criar conflitos!
Já o Carlos diz que precisa de concentração antes de entrar em cena para poder passar o texto todo pela cabeça. Revela-nos também que se tem de benzer antes de pisar o palco. "É mais ou menos como os futebolistas (risos). Já é quase uma necessidade que tenho porque faço isso desde a primeira vez".

Algures por aí, quem sabe, em busca de concentração.
Já com superstições a conversa é outra. "Merda" é palavra de ordem e "sorte" é palavra proibida. O actor confessa que também não passa por baixo de escadas e que tem sempre muito cuidado com espelhos, não lhe vão bater à porta sete anos de azar. "Não ligo muito a essas coisas, mas com espelhos é diferente. Quando tenho de andar com um espelho, tenho mesmo muito cuidado. Para mim, um espelho não se pode partir".
Começaram por dizer que não tinham qualquer tipo de ritual, mas depois da nossa conversa fiquei com algumas dúvidas.
Como muitos já sabem, a Ana e o Carlos são mais do que colegas e por isso quis saber se em casa, as conversas vão para além dos assuntos de trabalho. Embora tenham começado por dizer que o trabalho fica em cima do palco, o Carlos acaba por dizer "Eu acho que a maior parte das conversas são sobre trabalho e quando não são sobre o nosso trabalho, são sobre o trabalho dos outros que fazem o mesmo que nós." Contudo a Ana acrescenta "Mas dá-nos gozo". Acabam por concluir que de facto falam sobre trabalho, "mas não nos absorve por completo", diz o Carlos e concordam os dois.

Não parecem estar para grandes conversas.
No dia anterior à peça a conversa já é outra e confirmam que existe sempre alguma tensão em casa. "Sou espaçosa de mais e quando preciso do meu espaço, preciso a dobrar, mas o Carlos não me leva a mal." Quando lhe perguntei se o Carlos também ficava com mau feito, ela disse-me que não. "Mas sei que no fundo ele está nervoso. Antes de entrar em palco lembra-se sempre de coisas que não deve.". Em sua defesa o Carlos diz que quando não é o encenador não se preocupa tanto. Por falar nisso, acaba por admitir que não gosta de acumular o trabalho de actor e de encenador. "É muita responsabilidade e exige um maior esforço, no entanto não deixa de ser um desafio". A verdade, é que se têm visto obrigados a desempenhar diversas funções nas peças que levam a cena, pois o estado da cultura está longe do que gostariam que fosse e por isso decidem escrever, encenar e representar, pois ficar em casa de braços cruzados não é, para eles, uma opção. "Acredito que haja peças melhores que as nossas e ainda bem que sim, mas quem faz melhor também começou como nós e as nossas também são boas", diz-nos a Ana. De uma coisa têm os dois a certeza, é que querem trabalhar naquilo que gostam e que melhor sabem fazer. "Quando não temos trabalho, arranjamos nós.", dizem os dois quase em uníssono. Embora admitam que ultimamente também já o fazem por gosto e não tanto por falta de oportunidades. Pois, sabem que quando as coisas dependem só deles, os prazos são cumpridos e corre tudo como planeado. Esta persistência dos dois actores tem-se feito notar e começam a não passar despercebidos.

Assim, é normal que não passem despercebidos.
"E quando alguma coisa corre mal em palco", perguntei-lhes eu. "Há chapadões e ele é que vai dormir para o sofá", diz a Ana a rir-se. Confessam que nunca houve grandes problemas, pois têm muita confiança um no outro, aliás, como deixaram transparecer ao longo da nossa conversa. "Quando acontecem erros ficam ali, não afecta nada o ambiente em casa", diz Carlos. Admitem que o nível de exigência dos dois é elevado e se não corre bem, facilmente ficam irritados. Resumindo, as coisas até podem correr pior, mas uma coisa é certa, não acaba o namoro, nem em casa, nem no trabalho, e ainda bem, pois queremos ver os dois juntos tanto num sítio como no outro, por muito tempo.
Para terminar não podia deixar de lhes fazer a pergunta óbvia: "Sentem-se caídos em desgraça?"
"Passo recibos verdes todos os meses. Estás a brincar comigo?", responde a Ana. "Eu sinto-me um bocado caído em desgraça", diz o Carlos. O actor questionou-se sobre o que poderia significar para as pessoas o título da peça e acha que, certamente lhes dirá alguma coisa. "Independentemente da história, acho que o título irá chamar a atenção, porque há muita gente que se sente caída em desgraça e não quer dizer que esteja na miséria."
No entanto, como actor, diz não se sentir caído em desgraça, porque nunca teve uma vida estável. "Os actores nunca estão caídos em desgraça, ou então, estão sempre!", diz Carlos. "Nós gostamos de contar os trocos. O amor à arte é tão grande que não tenho medo do que tenho pela frente.", diz a Ana.

Determinados, como sempre.

O autor da peça sublinha que apesar de ser uma comédia, quer que as pessoas vão para casa pensar depois de a ver e que sintam alguma coisa.
Concluem que, no fundo estão caídos em desgraça, mas não é assim que se sentem. Pois, quem não desiste de lutar, dificilmente cai em desgraça.
Quando estávamos a terminar a conversa, o actor, encenador e autor Carlos Alves fez-me uma exigência. Pediu-me que vos transmitisse a sua opinião em relação à cultura em Portugal, que diz com toda a certeza, que essa sim, está caída em desgraça. Acrescenta ainda que não é apenas por causa do dinheiro, mas também pela forma como é encarada, não só pelos políticos, mas pela maior parte das pessoas. "Os políticos desistiram da cultura e as pessoas parecem estar a ir atrás. Se os políticos desistirem das padarias, as pessoas vão continuar a comer pão. Por isso, os políticos podem desistir da cultura, mas se as pessoas quiserem, ela vai continuar a existir."
Admite nunca ter tido qualquer apoio do estado e ainda assim, nunca desistiu e apela a que as pessoas façam o mesmo.
Apoiem então a cultura e o teatro e vão ao Auditório Carlos Paredes entre os dias 12 e 21 de Novembro para ver a peça "Caídas em Desgraça". Vão-se deixar cair em desgraça? Eu sei o que vou fazer!



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